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domingo, 31 de outubro de 2021

As Pequenas Margaridas (Sedmikrásky, Dir. Věra Chytilová)

 

As Pequenas Margaridas, ou Sedmikrásky no título original em tcheco, é o terceiro filme dirigido pela roteirista, diretora e atriz Věra Chytilová e é um dos filmes mais importantes da conhecida como nova-onda tcheca ou nouvelle vague tcheca de cinema. Ele é também considerado um dos mais importantes filmes dirigidos por uma mulher, e é tido por ser uma película feminista e de valor político em sua construção e roteiro.

Devido ao ambiente sociopolítico na Tchecoslováquia, Vera inclusive foi banida pelo governo comunista da época por determinado período de produzir filmes e Sedmikrásky teve sua exibição negada em grandes cinemas. Apesar da recepção política no seu país de origem, Sedmikrásky teve bom recebimento no restante da Europa e foi elogiado por muitos críticos (não vou falar do recebimento estadunidense porque foi basicamente só "wahmen bad").

Review base sem spoilers

Visualmente é uma peça de mídia muito bonita, a paleta de cores pastel nos momentos onde o caótico de Marie 1 e Marie 2 é harmoniosa e bela, e muitas vezes tem um ótimo contraste com o ambiente destruído e bagunçado pelas duas, enquanto as cenas de conformação e tédio são organizadas e limpas, com um tom monocromático constante e pouca coisa acontecendo. As cenas de viagem são fascinantes e tem um trabalho fotográfico maravilhoso potencializado pelo uso do RGB, o uso desse efeito em algumas cenas de água corrente também é muito interessante.

Quando fiquei sabendo que uma das atrizes não era profissional antes de iniciar o trabalho no filme, fiquei bem surpresa, pois as atuações de Ivana Karbanová e Jitka Cerhová condizem muito com a energia bizarra das personagens e sua forma de lidar com o ambiente apresentado. O sistema episódico que é usado pra contar as peripécias das Maries casa muito bem com a ideia de quebra de padrões, sendo quase metalinguístico em alguns aspectos.

Compleição da review (spoilers)

Nessa última linha, onde citei que o filme era muitas vezes metalinguístico, a primeira cena que me veio em mente foi a cena das tesouras, onde as protagonistas começam cortando tecido e depois se cortam em pedaços. Ao meu ver, ela parece criar um paralelo, onde no começo é tudo organizado da forma como geralmente é feito e depois se torna a bagunça caótica posterior, e de jeito algum isso é ruim, é mais como uma maneira de extrapolar todas as possibilidades e se ter o melhor de algo sem ter que seguir convenções (tanto que essa é uma cena tida como cômica, divertida e sem muito impacto na progressão do roteiro fora da mensagem final).

Tem sempre essa interação quase exploratória com a comida, as personagens parecem sempre estar desesperadas por alimento, apesar de terem a disposição em seu apartamento diversos comes e bebes. A verdade é que aqui ela é um artifício, simbolizando tanto o impacto do que elas fazem tanto quanto um desfoque de atenção. É visível esse uso no final do filme, onde há a frase "este filme é dedicado a todas as pessoas que se sentem perturbadas por uma alface pisoteada", estamos sendo direcionados a prestar mais atenção na comida sendo estragada, nas coisas sendo quebradas do que os ambientes que elas frequentam, suas atitudes realmente ruins (extorsão, roubo, manipulação) e os tipos de homem que exploram (homens mais velhos, muitas vezes casados e traindo suas esposas). Sedmikrásky não tem heróis nem vilões, mas anti-heroínas usando das dificuldades que enfrentam a seu favor, e essencialmente fazendo contra o mundo o que o mundo fez contra elas.

Conclusão

Recomendo As Pequenas Margaridas para qualquer pessoa interessada no sistema sociopolítico do leste europeu nesse período, pessoas com gosto por filmes que saiam da linha popular de produções audiovisuais e também para aqueles que só querem um banquete visual.

2 comentários: