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segunda-feira, 11 de abril de 2022

Mary & Max: Uma Amizade Diferente (dir. Adam Elliot)

A review de hoje não terá imagem ilustrativa, pois o blogger está com problemas de leitura de arquivos .jpg.

Aviso para: menções a suicídio, menções a problemas familiares, alcoolismo, compulsão alimentar, psicofobia, problemas de autoestima etc.

 Baseado na própria experiência do diretor com um PenPal autista nova-iorquino, Mary & Max (com o subtítulo Uma Amizade Diferente aqui no BR) fala sobre a troca de cartas e a amizade a distância mantida entre Mary, uma menininha de oito anos australiana com uma marca de nascença na testa que pesa muito em sua estima e Max, um homem de 45 anos estadunidense com TEA (Transtorno do Espectro Autista). 

No filme, o TEA é referido como síndrome de Asperger e como uma doença, porém Asperger é um termo vindo de um eugenista e o autismo não é mais considerado uma doença pela psicologia, então irei me referir nesse post a qualquer menção do transtorno como TEA a não ser que o contexto requeira que eu utilize a terminologia Síndrome de Asperger.

REVIEW CURTA (SEM SPOILERS)

É tragicômico, mas mais para trágico do que cômico, e eu não digo isso de forma ofensiva. Cada experiência foi bem retratada no filme, suas representações de adversidades cotidianas e incomuns e como a vida é muito mais trágica do que vemos nas telonas e telinhas é muito boa, são mostradas de forma sensível e ao mesmo tempo crítica, das pessoas que passam por elas e das pessoas que observam. Apesar de ser um filme de humor negro, ter linguagem inadequada muitas das vezes e ter tom bem pesado, eu recomendaria a exibição em instituições de ensino, tanto para ensinar sobre o bullying, transtornos e problemas familiares como para mostrar que mesmo que soframos e achemos que estamos sozinhos no mundo e que ninguém jamais vai se importar conosco, sempre tem alguém disposto a ouvir e conversas que não vai pensar mal de nossos problemas e pode ser nosso amigo, independente de nossas diferenças, idades ou localizações.

Nota 8.5/10

REVIEW E RESUMO (SPOILERS)

O filme começa diretamente na Australia, com imagens de stop motion da vida suburbana australiana de 1976, e inicia com o narrador descrevendo a vida de Mary. Em todo este segmento e os segmentos subsequentes da vida de Mary, as cores predominantes são marrom e outros tons de sépia, marrom sendo a cor favorita de Mary e também a cor de sua marca de nascença (descrita pelo narrador como cor de cocô.

Nesse primeiro segmento, começamos a entender um pouco os problemas na vida da personagem, sua mãe é alcoólatra e extremamente viciada em licor, seu pai passa a maior parte de seus dias trabalhando e fazendo taxidermia com roadkill de passarinhos e Mary foi uma gravidez acidental (e é muito possível que com o histórico da mãe ela tenha síndrome alcoólica fetal).

O sépia é um indicativo de um ambiente velho, estragado e monótono, e a paleta não só reflete a paleta de cores favorita da protagonista como a forma que ela tenta ver o mundo apesar de todos os problemas que a vida dela tem. É como uma alternativa mofada de ver as coisas cor-de-rosa, e isso funciona muito bem com a proposta, já que não importam as pequenas coisas positivas na vida de Mary nem quantas latas de leite condensado (sua comida favorita) ela consumir, vai continuar tudo naquele sépia lama nojento e entediante, isso até a troca de cartas com Max, onde pequenos detalhes em vermelho começam a aparecer, denotando um pouco de esperança.

Minhas únicas críticas aos segmentos pertencentes à Mary é que mesmo que se passem vários anos ela não parece envelhecer, e é usado o mesmo modelo pra ela dos 8 aos 12, só mudando quando ela chega na idade de frequentar a universidade (acredito que tenha sido devido a problemas de orçamento), que algumas cenas de stop motion são muito picotadas e dão uma sensação de slideshow com pouco movimento e há uma incoerência entre os anos e as idades que poderiam ter sido calculados com mais cuidado, por exemplo: ao entrar na universidade, de acordo com as datas Mary está com 20 anos, e a entrada normal pra faculdade na Austrália é dos 16 aos 18.

Relembrando um pouco a aparição dos detalhes em vermelho, eles também começam a aparecer no "mundo" de Max, quando Mary lhe entrega o pompom e o frasquinho com lágrimas (ele não consegue chorar), mas antes disso, a vida de Max em Nova-Iorque é completamente cinza e monocromática, sua vida se resume a entrar e sair de empregos e comer cachorros quentes de chocolate, e sua única companhia é a sua vizinha parcialmente cega e as pessoas da reunião de comedores compulsivos que ele frequenta. Max é muito vulnerável a crises de ansiedade e meltdowns, e apenas no segundo ato do filme ele é diagnosticado com Autismo (citado como Síndrome de Asperger).

Ao Mary perguntar pra Max sobre como nascem os bebês e outra linha de perguntas complexas sobre amor, ele tem uma crise prolongada de muito tempo. E Mary, que estava esperando para vê-lo e juntando dinheiro com um emprego de entrega de panfletos, acha que perdeu seu amigo e gasta as economias com uma cirurgia para remover sua mancha da testa.

Max é uma das melhores representações de autistas na mídia, já que ele não é infantilizado, é uma pessoa que tem muita experiência de vida e que age como uma pessoa com sua idade costuma agir de acordo com seu passado e memórias. Ele também não é um gênio, apesar de ter diversos hiperfocos na área da ciência e biologia, lendo com frequência a National Geographic e tendo como físico favorito Albert Einstein (outro autista notório e importante). Porém tenho muito problema com a cena do mendigo, que mostra Max em um ponto de descontrole um tanto exagerado e um pouco destoante do personagem, que até o momento nunca havia agredido ninguém propositalmente.

Os dois recuperam o contato, e em tentativa de "curar" seu transtorno, Mary inicia sua tese sobre a Síndrome de Asperger e lhe dedica uma cópia, o que prontamente inicia a queda rápida da amizade de muitos anos. Max tem um meltdown e arranca o carimbo "M" de sua máquina de escrever e envia à Mary, o que desencadeia uma crise depressiva na mesma, e faz com que ela triture todas as cópias do estudo, desenvolva alcoolismo como sua mãe e faça pompons compulsivamente como uma tentativa de lidar com seus sentimentos. Alguns anos antes, ela havia se casado com seu interesse romântico de infância, um menino grego e gago que era seu vizinho, porém o mesmo se descobre apaixonado por e acaba indo morar com seu próprio penpal quando Mary afunda cada vez mais no alcoolismo, piorando ainda mais a situação.

Mary tenta se matar, grávida, em uma cena catártica acompanhada de um cover melancólico de Que Sera Sera de Doris Day, apenas desistindo ao receber uma encomenda de Max: milhares de bonecos do desenho favorito dela e dele durante seu crescimento, cuja coleção ele enviou como pedido de perdão, e uma carta de desculpas, onde Max fala sobre seu novo emprego de testagem de amostras, ter ganhado na loteria e comprado diversos chocolates e ter dado o restante do dinheiro pra sua vizinha.

Ela e seu bebê acabam por visitar Max em Nova-Iorque, porém ele morreu tranquilamente. Mary olha para o teto e vê todas as suas cartas dês de 1976, dando fim ao filme.

Se houver melhor maneira de representar a vida suburbana, e de como a socialização primária nem sempre é fundação para um desenvolvimento bom, eu desconheço. Brincadeiras á parte, é um filme muito bonito, e com suas piadas de humor negro chega a ser cômico de uma forma quase que cruel, porém sabe ser sério quando quer, e quem vos escreve teve que se controlar muito pra não chorar nessas cenas. É uma obra muito sensível, que merece ser vista e observada com bastante cuidado, e sabe despertar todos os tipos possíveis de emoção ou a ausência dela de sua forma peculiar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caso você esteja buscando por conteúdo maduro, mas que fuja da normalidade da maioria dos dramas psicológicos, Mary & Max é o primeiro da minha lista de recomendações a dar. Da primeira vez que eu o assisti, eu tinha uns 7 ou 8 anos, venderam o DVD pirata para minha mãe dizendo que era infantil (tivemos o mesmo problema com O Cheiro Do Ralo uns anos depois, que minha mãe achou que era comédia pastelão por ignorância, algum dia ainda falarei sobre ele aqui), e ela colocou na tv sem questionar. Como eu era muito pequena não lembrava de muito, então achei que seria uma boa oportunidade para revisitá-lo, agora também sabendo que eu tenho autismo e tendo a vivência familiar e mental adequada pra esse tipo de conteúdo.

Quando eu era guriazinha pensava que nunca ia passar por nenhum destes problemas, que eu ia me formar em medicina veterinária, que minha família me amava muito apesar do divórcio e que as coisas eram muito felizes, hoje me encontro com quase 19 anos sem ter entrado em uma faculdade e desempregada, e cada vez mais minha relação com meus pais se esfarela, tive meu primeiro coração partido e é aqui que eu vejo que a vida não é um rosa pink com glitter coberto de merengue e açúcar, ela é tom sépia, cor de cocô, e a gente acaba tendo que lidar com isso em algum momento.

sábado, 9 de abril de 2022

Microposting #1: A Mecânica Do Coração.




Bem vindo ao primeiro microposting, é um post pequeno que serve pra manter atividade no blog e ao mesmo tempo servir como conteúdo fácil de ser consumido quando o arquivo se tornar mais cheio e houver uma busca maior por posts mais curtos e que não levem tanto tempo pra ler, bom para quem é muito ocupado e ainda sim quer um tempinho de lazer. E o melhor: é completamente livre de parabenos e gorduras trans e saturadas spoilers.

Nesse micropost inicial, vou falar um pouquinho sobre o livro, filme e álbum que estive lendo, assistindo e ouvindo: Jack e A Mecânica do Coração, ou apenas A Mecânica do Coração. É uma mídia que mistura o gótico vitoriano com o steampunk e de certa forma influências do expressionismo, principalmente no filme. O livro é quase um livro-musical, eu o li em português, mas recomendaria a leitura em francês, pois há partes com música e poesia que são essencialmente acompanhadas pelo álbum musical de mesmo nome e história, porém o mesmo não vale para o filme, já que algumas músicas já estão presente nele, e um dos antagonistas fala em prosa.

Tanto álbum quanto livro e filme são de extrema melancolia, é azar atrás de azar, e não importa o cânone que você deseja seguir todos acabam da mesma forma. É conteúdo pra quem gosta de chorar como uma Madalena e fermentar suas lágrimas em licor.